Decisão
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REMESSA NECESSÁRIA Nº 0000607-27.2024.8.16.0171, DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE TOMAZINA Autor : GUILHERME CURY SALIBA COSTA Ré : CÂMARA DE VEREADORES DO MUNICÍPIO DE TOMAZINA Relator : Des. LEONEL CUNHA Vistos, RELATÓRIO 1) Em 21/06/2021, GUILHERME CURY SALIBA COSTA, pecuarista, ajuizou “AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO”, com pedido de tutela provisória de urgência, em face da CÂMARA DE VEREADORES DO MUNICÍPIO DE TOMAZINA (mov. 1.1 dos autos originários nº 0000612-54.2021.8.16.0171), alegando que: a) a CÂMARA, em abril de 2021, após receber o parecer prévio do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE/PR), deu início ao procedimento para analisar e julgar as contas prestadas pelo ex-Prefeito do Município, ora Autor, referentes ao exercício de 2016; b) “seguindo o disposto no Decreto Legislativo nº 01/2021, o Autor foi devidamente notificado pela Câmara para 2 Remessa Necessária nº 0000607-27.2024.8.16.0171 apresentar defesa, documentos anexos, e a primeira sessão de análise e julgamento das contas do Poder Executivo do ano de 2016 foi realizada no dia 26 de abril de 2021”; c) “na ocasião, o Parecer do TCE/PR foi rejeitado por 06 votos a 03, com a participação de todos os Vereadores da Casa de Leis”; d) “após, em 03 de maio, o Vereador Flávio Oliveira de Farias protocolou requerimento ao Presidente da Câmara, pedindo providências quanto à suposta nulidade da primeira votação, por, em seu entender, ter infringido o disposto no artigo 164 do Regimento Interno”, sob o fundamento “da participação, na Sessão de Julgamento, da Vereadora Neli Couto Ribeiro Saliba Costa – ex-cônjuge do Autor”; e) o “Presidente da Câmara, diante do pedido, anulou a primeira votação do Decreto 01/21, entendendo que o vínculo conjugal, entre a Vereadora e o ex-Prefeito, ainda existiria, o que se enquadraria no citado artigo do R.I.”, todavia, “é público e notório que o Autor e a Senhora Neli Couto Ribeiro Saliba Costa se separaram em abril de 2019”; f) “inexiste qualquer relação de parentesco entre os dois que impeça ou cause a suspeição da Vereadora no julgamento das contas do Poder Executivo”; g) “desde junho de 2019 o Autor convive maritalmente com a Sra. Bruna Rafaela Pereira 3 Remessa Necessária nº 0000607-27.2024.8.16.0171 do Nascimento, com quem teve um filho nascido em 29 de janeiro de 2021. A relação entre o Autor e sua atual companheira é pública, com publicação da relação em redes sociais e convívio no âmbito social da cidade, residindo desde então (junho/2019) na cidade de Siqueira Campos, onde mantém núcleo familiar com companheira e filho, que hoje já conta com 6 meses de idade”; h) “cumpre registrar que pela teoria dos motivos determinantes a validade do ato administrativo – no presente caso a decisão que anulou a sessão do dia 24/04/2021 – está vinculada a existência e a veracidade dos motivos apontados como fundamento para sua adoção, de forma a sujeitar o ente público aos seus termos”; i) “no caso vertente, o motivo indicado como fundamento é o casamento, a união entre a Vereadora e o Autor. Ocorre que é público e notório que o casal se encontra separado de fato há mais de dois (02) anos, quando deixaram de compartilhar a vida em comum”; j) “não deve ser aplicado o artigo do Regimento Interno que deu aso à anulação da Votação, pois a intenção do legislador, ao prever a impossibilidade de Voto quando há interesse de cônjuge, á a proteção da imparcialidade”; k) “considerando que tal união deixou de existir, o motivo é inexistente”; l) “não bastasse o 4 Remessa Necessária nº 0000607-27.2024.8.16.0171 equívoco de fato que causa a nulidade da decisão, verificasse que, da decisão que anulou a primeira Sessão de votação, não foi conferido o direito de contraditório ao Autor, ex-Prefeito, cujas contas estavam sob análise”; e, m) deve ser declarada nula a “decisão que anulou a sessão realizada no dia 24 de abril de 2021 e a necessidade de continuidade do procedimento de votação e julgamento das contas do Poder Executivo relativo ao exercício de 2016”. Requereu a antecipação da tutela provisória de urgência, a fim de que fosse “suspenso o procedimento de votação do Decreto Legislativo 01/2021, da Câmara Municipal de Tomazina”, e ao final, a procedência do pedido, com a “anulação da decisão que anulou a primeira votação do Decreto Legislativo 01/2021, da Câmara Municipal de Tomazina, ocorrida na data de 26 de abril de 2021, reeditando-se, por corolário, os efeitos do ato da primeira votação que rejeitou o parecer do TCE/PR, e, consequentemente, determinar o prosseguimento da análise das contas do Poder Executivo Municipal, exercício de 2016, em segunda votação, com a validade do ato de 26 de abril de 2021, e om a participação e direito de voto à vereadora Neli Couto Ribeiro”. 5 Remessa Necessária nº 0000607-27.2024.8.16.0171 2) A decisão (mov. 25.1 dos autos originários) antecipou a tutela provisória de urgência, e, pois, determinou a “suspensão do procedimento de votação do Decreto Legislativo 01/2021, da Câmara Municipal de Tomazina, até ulterior deliberação”. 3) A CÂMARA DE VEREADORES DO MUNICÍPIO DE TOMAZINA contestou (mov. 33.3 dos autos originários), alegando que: a) “não há como se negar perante a lei que a vereadora está impedida realmente de votar. Veja, a declaração juntada pelo autor de que a autora está separada de fato, não tem qualquer valor jurídico de desconstituição de vínculo. Se o autor tivesse apresentado pelo menos um processo judicial de separação ou divórcio, entretanto sequer o apresentou”; b) “o vínculo da vereadora Nely com o autor é tão evidente que ela faz questão de assinar os sobrenomes Saliba Costa. Além disso, Excelência, o autor tem filhos com a vereadora Nely. Como a vereadora poderia ser imparcial neste caso? Não é por má-fé ou dolo, mas em razão da própria natureza humana, uma mãe jamais tomaria uma decisão que pudesse comprometer ou magoar os filhos”; c) “a decisão aqui pode, digamos, comprometer a herança 6 Remessa Necessária nº 0000607-27.2024.8.16.0171 futura dos filhos, pois em caso de manter a reprovação de contas, numa eventual ação de improbidade administrativa o autor poderia ter seus bens confiscados”; d) “não há nada na lei que diga que separação de fato rompa com o vínculo conjugal do casamento válido, conforme sustenta o autor”; e, e) “uma vez iniciado o processo de votação, a partir da primeira votação, não é necessário a intimação, pois, é dever do autor, acompanhar o processamento, todas as sessões da Câmara são públicas e disponibilizadas no youtube, além do que, o autor contratou advogado e este devia estar acompanhando”, bem como “tem aliados políticos entre os vereadores e, com certeza, estes lhe deram ciência”. 4) As partes manifestaram sobre as provas, conforme se infere do mov. 44.1 e do mov. 46.1 dos autos originários. 5) O doutor Juiz anunciou o julgamento antecipado da lide, conforme se infere do mov. 54.1 dos autos originários. 7 Remessa Necessária nº 0000607-27.2024.8.16.0171 6) A sentença (mov. 66.1 dos autos originários) julgou procedente, em parte, a demanda, “declarando a nulidade do Decreto Legislativo nº 01/2021 da Câmara Municipal de Tomazina/PR, ante as irregularidades formais ocorridas durante o procedimento administrativo (Ata nº 12 e atos subsequentes), confirmando-se a decisão liminar, nos termos da fundamentação”, bem como condenou a CÂMARA ao pagamento das custas e despesas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais). 7) As partes não recorreram da sentença, e os autos vieram para exame da Remessa Necessária, conforme se infere do mov. 104.1 dos autos originários. É o relatório. FUNDAMENTAÇÃO A Remessa Necessária, no caso, não deve ser conhecida, na forma do inciso III, do artigo 932, do Código de Processo Civil de 2015. 8 Remessa Necessária nº 0000607-27.2024.8.16.0171 Constata-se que o Autor e a Ré deixaram de recorrer, concordando com o entendimento exposto pelo doutor Juiz na sentença. Isto é, a ausência de interposição de recurso voluntário da CÂMARA DE VEREADORES evidencia a conformação com a sentença que lhe é desfavorável, gerando a presunção de concordância com a sentença. Além disso, com o advento do Código de Processo Civil de 2015, não é toda sentença desfavorável à Fazenda Púbica que se submete à Remessa Necessária, uma vez que os parágrafos 3º e 4º, do artigo 496, estabelecem exceções, notadamente, considerando a preponderância dos princípios da eficiência e da celeridade. No caso, além da conformidade da CÂMARA DE VEREADORES com a sentença, verifica-se que, no caso, o entendimento adotado na sentença está fundamentado na violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, considerando que não constam dos autos comprovação de que o Autor tenha sido notificado sobre o requerimento de anulação da primeira votação. Vejamos: 9 Remessa Necessária nº 0000607-27.2024.8.16.0171 “Deste modo, e considerando que os Parlamentares, ao deliberarem sobre as contas prestadas pelo Chefe do Poder Executivo, devem observar, com rigor, as determinações legais pertinentes, sob pena de nulidade do julgamento, correta a arguição de nulidade da votação, por inobservância ao disposto no artigo 164 do Regimento Interno. No entanto, a votação foi anunciada, conforme Ata nº 12/2021, sem que fosse oportunizado o contraditório e a ampla-defesa do autor. As normas constitucionais relativas à fiscalização pelo Poder Legislativo não autorizam a realização de procedimento com violação aos princípios da ampla defesa, do contraditório (art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal) e do devido processo legal. O processo para julgamento das contas prestadas por gestor público perante a Câmara Municipal e demais atos relacionados deve ser conduzido de forma a garantir a plenitude da defesa, desde a citação, publicidade, ampla produção de provas, argumentação técnica e julgamento. Isto é, diante da natureza do processo administrativo, a intimação do gestor para os atos que antecedem ao julgamento é indispensável, em respeito ao devido processo legal e ao contraditório. Verifica-se que a anulação foi anunciada 10 Remessa Necessária nº 0000607-27.2024.8.16.0171 sem que fosse oportunizado o contraditório e a ampla defesa (Ata nº 12/2021 – mov. 1.8). Não restou demonstrado que o autor foi notificado acerca do requerimento de anulação da votação, e, tampouco, acerca da data em que seria proferida a decisão. Veja-se que na 1ª votação, o autor participou da sessão, sendo- lhe, inclusive, concedida a palavra, o que não ocorreu na data da decisão pela anulação. Ainda, nova sessão foi agendada para o dia 06/06/2021 – e realizada –, sem que a parte interessada fosse notificada/intimada para que, querendo, apresentasse defesa. Como sabido, a ordem constitucional institui o princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV) e as garantias fundamentais do contraditório e ampla defesa (art. 5º, LV), seja nos processos administrativos como nos processos judiciais, o que não ocorreu no presente caso. Nesse contexto, conclui-se que houve ofensa ao devido processo legal, uma vez que o autor teve cerceados seus direitos à ampla defesa e ao contraditório, pois não foi cientificado acerca do requerimento de nulidade e posterior anulação” (mov. 66.1 dos autos originários – destaquei). Vale dizer, portanto, que o entendimento adotado na sentença está em conformidade com os 11 Remessa Necessária nº 0000607-27.2024.8.16.0171 precedentes deste Tribunal de Justiça. Vejamos: “AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO. REPROVAÇÃO DAS CONTAS PELA CÂMARA MUNICIPAL DE FOZ DO IGUAÇU. EXERCÍCIO 2005. DECRETO LEGISLATIVO Nº 02/2017 E DECRETO LEGISLATIVO Nº 09/2017. AUTOR QUE NÃO FOI INTIMADO DAS DATAS PARA A REALIZAÇÃO DAS SESSÕES DE JULGAMENTO. POSSÍVEL PREJUÍZO À DEFESA. CERCEAMENTO DE DEFESA. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. O direito ao contraditório e à ampla defesa possui respaldo jurídico no art. 5º, inciso LV, da CF/88, dispõe que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, devendo, por isso, ser disponibilizado todas as provas existentes contra o acusado. RECURSO PROVIDO” (TJPR - 5ª Câmara Cível - 0060747-94.2020.8.16.0000 - Foz do Iguaçu - Rel.: DESEMBARGADOR NILSON MIZUTA - J. 08.03.2021 - destaquei). “(...) AÇÃO DECLARATÓRIA DE INVALIDADE 12 Remessa Necessária nº 0000607-27.2024.8.16.0171 DE ATO ADMINISTRATIVO. PRETENSÃO DE INVALIDAÇÃO DO DECRETO LEGISLATIVO Nº 007/2011, DA CÂMARA MUNICIPAL DE ANTONINA, O QUAL REPROVOU A PRESTAÇÃO DE CONTAS DO MUNICÍPIO, EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2003. PROCESSO LEGISLATIVO QUE NÃO OBEDECEU OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO CONTRADITÓRIO EDA AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA EX-PREFEITA SOBRE A DATA EM QUE AS CONTAS SERIAM JULGADAS E, TAMPOUCO, NOTIFICAÇÃO FORMAL PARA SE MANIFESTAR SOBRE O PARECER PRÉVIO QUE JULGOU IRREGULAR APRESTAÇÃO DE CONTAS DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. (...) RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E DESPROVIDO” (TJPR - 4ª Câmara Cível - 0002662-59.2015.8.16.0043 - Antonina - Rel.: DESEMBARGADORA REGINA HELENA AFONSO DE OLIVEIRA PORTES - J. 01.11.2018 - destaquei). Nessas condições, não se conhece da Remessa Necessária, considerando a conformidade da CÂMARA DE VEREADORES com a sentença, notadamente, considerando a preponderância dos princípios da eficiência e da celeridade, visto que o entendimento adotado na sentença está em 13 Remessa Necessária nº 0000607-27.2024.8.16.0171 consonância com os precedentes deste Tribunal de Justiça. ANTE O EXPOSTO, nos termos do inciso III, do artigo 932, do Código de Processo Civil de 2015, não conheço da Remessa Necessária. Intimem-se. Após, arquivem-se. CURITIBA, 03 de maio de 2024. Desembargador LEONEL CUNHA Relator
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